THEODOR KOCH- GRUNBEG E SEU FILME GRAVADO EM 1911
TEXTO SOBRE A VIDA E A OBRA DE THEODOR KOCH- GRUNBEG
Theodor Koch-Grünberg
(1872-1924), nascido na cidade de Grünberg, na região de Oberhessen, era filho
e neto de teólogos. Através de leitura de revistas de viagens e de aventuras,
tais como o Globus,
interessou-se desde cedo por assuntos relacionados com índios; já em 1881 lera
a narração da segunda viagem de Crevaux. Estudou primeiramente filologia
clássica em Tübingen e Giessen, passando a dedicar-se ao ensino. Não via os
índios como selvagens, mas sempre como homens de sensibilidade, dando especial
atenção à situação da mulher e das crianças.
No campo da etnologia, cumpre citar a sua participação, entre
1898 e 1900, da segunda Expedição ao Xingú de Hermann Meyer, viagem essa que
atingiu o Ronuro, um afluente do Xingu. Após a viagem, retornou ao ensino no
ginásio de Offenbach, escreveu alguns artigos para o Globus e um trabalho maior sobre o animismo
entre os indios sul-americanos. Este estudo levou o fundador e diretor do Museu
de Etnologia de Berlin, Bastian, a convidá-lo a trabalhar honorificamente. Lá
atuou com americanistas de renome, tais como Karl von den Steinen, Eduard
Seiler e Paul Ehrenreich. Dada a sua formação filológica, pode fazer um
trabalho de vulto a respeito dos Guaikurus, doutorando-se em Würzburg, em 1902.
Em 1903, Theodor Koch-Grünberg realizou os preparativos para
uma viagem própria, efetuada com meios do Museu de Etnologia de Berlim. Essa
viagem levou-o ao noroeste do Brasil, ao Amazonas e Rio Negro, alcançando o
território do Caiary-Uaupés; passando pelo Apaporis e Japurá, retornou em maio
de 1905 a Manaus. Koch-Grünberg teve a felicidade de realizar observações em
grupos que conservavam ainda costumes consuetudinários; entretanto, não é
verdadeira a afirmação de que foi o primeiro pesquisador a ver as danças de
máscaras na América do Sul e trazer vestimentas e máscaras de entrecasca de
árvore para a Europa.
Registrou quarenta dialetos, procurando penetrar através da
língua e da arte na vida psíquica dos índios, tomando parte também em festas
com danças e cerimônias fúnebres.
No Museu de Berlim, trabalhou com o material coletado,
publicando estudos tais como "Início da Arte na Selva" (1905),
"Desenhos sul-americanos em rochas" (1907); "Dois anos entre os
Indios" (1909) e vários artigos e trabalhos linguísticos. Em 1909,
Koch-Grünberg mudou-se para Freigurg i.Br. como Docente de Etnologia na
Universidade, sendo a sua aula inaugural a respeito do tema "Máscaras e
danças com máscaras entre os povos naturais".
Em 1911, retornou à América do Sul, dirigindo-se ao Norte do
Brasil e à Venezuela. De Manaus subiu o Rio Negro e o Rio Branco. à estadia
agradável entre os Taulipáng na região do Roroíma seguiu-se uma viagem difícil
pelo Uraricoera, com permanência entre os Yekuaná e uma tentativa frustrada de
chegar às cabeceiras do Orinoko para, finalmente, atingir esse rio pelo
Ventuari e retornar pelo Casiquiare. O histórico dessa viagem, publicado sob o
título "No Roroíma: Entre os meus amigos índios da rocha rosada",1
oferece várias observações de alto interesse musicológico.
Em Boa Vista, após constatar a difícil situação política
local devido à rivalidade entre "clericais" e "mações",
descreveu um baile na casa de um cidadão influente do local, com as seguintes
palavras, o que deixa transparecer o pouco fascínio que exercia a vida da
sociedade não-indígena dos núcleos urbanos do Brasil em Koch-Grünberg, que
nelas sentia falta de originalidade:
"O
baile é uma história bastante maçante, como todo o resto. Nada original. Danças
européias: valsas, mazurcas, quadrilhas, como entre nós. As moças, em parte
bastante bonitas, em todos os matizes de cor de pele, em geral vestidas com
roupas leves e claras, os homens com ternos escuros, confecção de massa de
Manaus. Orquestra: violão, flauta, gramofone. [...] A sala de dança é uma
espécie de varanda e, sobre o muro, o pessoal de serviço indígena tudo observa
como convidados de cêrca.... Dança lasciva, muito pó. Durante um intervalo de
dança, uma cachorra deitou-se no meio da sala e amamentou a sua cria."
De importância para o trabalho de Koch-Grünberg foi a missão
católica no Rio Branco, então a cargo da Ordem Beneditina, sobretudo através do
seu contacto com dois monges, o P. Thomas, inglês, e o alemão P. Adalbert, de
Lörrach, Baden, cuja missão tinha sede em Capella e estação missionária entre
os índios no alto Surumú. Foi P. Adalbert que apresentou Koch-Grünberg ao
administrador de São Marcos, José Franca das Neves, um amigo e protetor dos
missionários e que deu todo o apoio necessário ao desenvolvimento das
pesquisas.
O autor descreve a situação em São Marcos como
"paradisíaca", como um verdadeiro centro dos índios da região; a casa
estava sempre repleta de indios e reinava uma atmosfera divertida, sendo que o
administrador dansava com eles o Paricherá, a dança principal dos Makuschis.
De São Marcos, Koch-Grünberg dirigiu-se para o Norte,
juntamente com P. Adalbert, dois índios e um caboclo da missão do Surumú, que
carregaram a sua aparelhagem, inclusive o fonógrafo e os cilindros
fonográficos. Numa pequena aldeia Wapischána, receberam visita de indígenas das
tribos Wapischána e Makuxi, já vestidos com "trapos", que vinham de
uma casa onde se celebrava uma festa com danças; o mestiço Mello não se conteve
e, sem permissão, foi participar na dança. Depois de uma hora, alcançaram uma
casa Wapischána, de construção tradicional, onde se dançava o Parixerá ou, na
pronúncia dos Wapischána, Parischára.
Koch-Grünberg dá importantes pormenores a respeito dessa
dança, realizada em forma de um círculo meio-aberto, descrevendo a atmosfera da
festa: "Em compasso quaternário, balançando os joelhos e batendo com o pé
direito no chão, homens, mulheres e crianças procediam em círculo, com um canto
monótono. A festa estava terminando. Os homens, na sua maioria, estavam já
muito embriagados. Alguns velhos roncavam nas suas redes dentro da cabana
semi-obscura. Deram-nos um kaschirí de mandioca forte, chamado payuá. [....]
Também Mello estava de forte ressaca. Como as nossas bonitas carregadoras nos
contaram, ele tinha dançado, cantado e bebido toda a noite, também vomitado,
como acontece numa verdadeira quermesse".
Deve-se perguntar, com relação a essa informação, se esse
vômito fora realmente provocado pela embriaguez ou se servia à obtenção de
visões, fato talvez não percebido por Koch-Grünberg e que seria de relevância
para estudos da prática e das concepções religiosas dos indígenas do Rio
Branco.
Na aldeia Koimélemong, constituída na sua maioria por índios
das tribos Makuxi e Taulipáng [antes de Koch-Grünberg denominados Yarikúna ou
Arekuná], com alguns do grupo Wapischána, foram recebidos festivamente.
Koch-Grünberg teve a oportunidade de alí constatar a influência da missão
beneditina e transmitir à posteridade notícias a respeito da ação
missionário-musical dos monges junto aos índios da região.
Ao redor do P. Adalbert reuniram-se meninos e meninas que, em
parte tinham tido apenas breve contacto com a missão. Eles rezaram o
Padre-Nosso em Makuxi e cantaram algumas canções de Natal com texto Makuxi. Th.
Koch-Grünberg não deixou de ficar comovido em ouvir, "entre essa gente
parda e nua, as velhas e lindas melodias cantadas por vozes límpidas de
crianças: 'Stille Nacht, heilige Nacht', 'Am Weihnachtsbaum die Lichter
brennen'."
P. Adalbert reunia os seus "fiéis" para as
vésperas, dando o chefe, para isso, um sinal com a buzina trazida pelo
pesquisador. Assim, esse testemunho de Koch-Grünberg indica que os monges
beneditinos mantinham a prática das horas cantadas no seu trabalho missionário.
A participação dos indígenas se fazia com cantos alemães traduzidos para a
língua nativa. Apenas o sino era substituído por um outro instrumento
sinalizador, no caso também de origem não-indígena. Para Koch-Grünberg, a
missão era útil, se vista por um ponto de vista exclusivamente humanitário,
pois ela protegia os índios contra os brancos e impedia, pelo menos por um
curto espaço de tempo, que se tornassem bêbados com todas as doenças da
civilização. Sob um ponto de vista cristão, porém, apesar de todas as canções
religiosas e orações, os índios estariam ainda profundamente enraizados nas
suas concepções tradicionais e apenas repetiam sem pensar. Essa repetição
mecânica dizia respeito, certamente, ao canto das horas, sendo essas que
passaram a estruturar mais ou menos rigidamente o quotidiano das aldeias sob a
ação dos beneditinos.
Koch-Grünberg adquiriu, de índios da tribo Taulipáng
proveniente de Surumú, uma flauta de osso de onça, usado pelos homens presos no
cordão de cintura. Para essas trocas, o pesquisador tinha trazido, entre outros
objetos, também pequenos sinos e campainhas de metal. Situava-se, assim, na
longa tradição de oferecimento desses instrumentos musicais como brindes e
objetos de troca no contacto com os índios.
De particular interesse é a pormenorizada descrição do
procedimento de cura empregado por Katúra, então um dos mais conceituados
"médicos" do povo Taulipáng. O procedimento diferia um pouco do
observado no grupo Majonggóng:
"O
feiticeiro entoa solenemente, em voz anasalada, em graves sons guturais, um
canto monótono. Este canto se divide em estrofes, que começam com o grito
selvagem 'y--------------------------------------', terminando com um longo 'o-
-'. Durante todo o canto ele bate com um maço de folhas no chão, ao lado do
doente. Ouve-se, a seguir, chiados e gemidos, sopros e o emitir selvagem de
'--------------------------. Sons gargarejados: ele toma suco de tabaco.
Sussurando, ele continua a ir e vir com o maço de folhas sobre o chão e deixa o
som sumir levemente, como à distância. 'Agora ele sobe às alturas!' diz
Pirokaí, que está acocorado ao meu lado. Um intervalo longo. A sua alma se
soltou do corpo. Ela traz um Mauari, um espírito das montanhas, ou o espírito
de um médico-feiticeiro morto, que, em seu lugar, passa a dirigir a cura. O
espírito chega sob algumas palavras selvagemente articuladas. Ele traz o seu
cão, uma onça. Ouve-se o seu rosno - E assim continua por mais de duas horas,
com curtas interrupções. Os uivos do médico-feiticeiro se transformam
gradualmente num canto uniforme, que dura até o fim. / Este canto rouco e
gritado do feiticeiro, cortado pelo rumor dos trovões, é uma música noturna bem
singular, que atua extraordinariamente sobre os nervos."
Essa descrição refere-se claramente a uma experiência
mística, pois diz que a alma do cantor eleva-se, trazendo das alturas um
"espírito" curador que é o que atua. Esse procedimento corresponde à
tradição mística franciscana/antoniana, pois é, após a experiência da unio
mystica nas alturas que a alma do místico retorna com os frutos espirituais
salvíficos que vão ser de proveito na interação com o próximo e na cura das
almas. Coloca-se, assim, a questão de uma possível influência remota de missões
franciscanas na religiosidade e nas práticas medicinais dos indígenas dessa
região.
De particular interesse etnomusicológico é o fato de
Koch-Grünberg já ter utilizado de fonógrafo para a gravação de cantos
indígenas. Para acostumá-los com um aparelho que podia reproduzir a voz humana
e a música, trouxe rolos com gravações para exibí-las. Nessas apresentações,
constatou que os índios muito apreciavam a audição de música européia. Assim,
índios dos grupos Wapischána, Taulipáng e Makuxi tomaram contacto com peças
populares e de operetas, tais como a canção "-bist meine süße, kleine
Frau", da opereta "O Duque de Luxemburgo" de Franz Lehar e a
canção "Am Bosporus", de Paul Lincke ("A - ja, was ist denn bloß
mit der Rosa los"). Sobretudo essa última foi repetida várias vezes, a
pedido, e logo as crianças já cantavam as melodias sem êrro, pronunciando
estropiadamente o texto alemão.
O próprio cacique Pitá cooperou com Koch-Grünberg no trabalho
de gravação, cantando, ainda que com o acompanhamento fraco de Pirokaí, as
canções de danças da tradição Makuxi, ou seja, o Parixerá, o Tukúi, o Muruá e
outras. Segundo as palavras do etnólogo, duas meninas cantaram com voz clara e
sonora as ternas canções que acompanhavam o raspar da mandioca. Os textos eram
simples e consistiam em frases curtas, que se repetiam. Também as melodias eram
simples, formadas por repetições de configurações sonoras. Koch-Grünberg dá a
tradução alemã do texto de uma canção freqüentemente ouvida. Após gravá-las,
apresentava os cantos assim registrados aos próprios índios:
"Eu executei todos os cantos para um público numeroso e
grato. Pessoas nuas e semi-nuas, em grande quantidade, se agruparam em
pictórico semi-círculo à parede da grande ante-sala da minha cabana, e ouviram
com atenção o canto do seu chefe, reproduzido pelo gramofone. Pitá ri
satisfeito quando ele escuta a si próprio. Algumas mulheres, assustadas, tapam
com as mãos a face ou a boca, outras postam as mãos como para rezar e são tão
piedosas como a pouco no serviço divino do Padre. O médico-feiticeiro, chamado pelo
chefe do grupo, não quis entretanto cantar à "máquina", perguntando
desconfiado, por que Koch-Grünberg desejaria levar consigo a sua voz. Após
ter-lhe prometido uma faca, o cantor concorda com a gravação, sob a condição,
porém, desta ser feita de forma reservada e que o seus cantos não fossem
demonstrados. Koch-Grünberg, que interpreta essa atitude como receio de perda
da autoridade, descreve detalhadamente a gravação de três rolos, com três
cantos que se sucedem, como numa cerimônia de cura. Quando Koch-Grünberg fez
soar as gravações na presença de poucas pessoas, o feiticeiro, ao ouvir a sua
voz, demonstrou na face o seu choque.
Koch-Grünberg também gravou um Majonggóng, que entoou canções
de dança de sua aldeia natal. As melodias eram completamente diferentes das
outras, mais ricas em tons, mais rápidas, selvagens e nervosas. Algumas se
caracterizavam por uma repetição singular de dois tons, cantados com a boca
fechada. Também os cantos de magia gravados diferiam muito dos do Taulipáng.
Koch-Grünberg confessa ter ficado de tal modo impressionado com a primeira
parte do canto, recitado rapidamente com voz monótona, que "o suor
escorria-lhe por todos os poros".
Para o estudo da música no contexto missionário adquire
interesse um fato singular registrado por Koch-Grünberg: na ausência do Padre,
o cunhado do cacique, William (Wiyáng) Makuxi dirigia o serviço religioso da
manhã e da noite, cantando e rezando com base numa cartilha inglesa. Embora o
texto nada tivesse de espiritual, as frases em idioma estranho desempenhavam
aqui uma função religiosa ("The cow gives us milk. Thank you, good
cow").
A mais detalhada descrição de interesse etnomusicológico de
Koch-Grünberg diz respeito a um outro Parixerá, realizado no Koimélemong, com a
participação de outras aldeias. Iniciado pela manhã por um grupo Makuschi,
recebe à tarde um longo cortejo de habitantes da "Maloko Bonita" do
sudeste da serra Mairarí.
No dia seguinte, a pedido de Koch-Grünberg, que pretendia
fotografar a cerimônia, a festa teve início já durante o dia; a narração é
valiosa pelas elucidações a respeito do Tukúi.
"Uma
infinita corrente de dansadores Parixerá, homens e mulheres, vem do lado oeste,
da savana, sob o ruído surdo dos trompetes de madeira, certamente duzentos
participantes. Um magnífico quadro! A seguir, dançam e cantam na praça da
aldeia em grandiosa roda. No centro do círculo, homens e mulheres dançam o
Tukúi, a dança dos colibrís. Nús até a tanga e pintados com motivos artísticos
ou simplesmente com barro branco, também os cabelos, o que empresta a alguns
uma aparência bem selvagem. De dois ou três, em parte segurando-se em baixo,
procedem um atrás dos outros, com joelhos dobrados, batendo o pé direito. Os
homens apitam estridentemente em um tubo pequeno, sempre o mesmo tom. Também nessa
dança canta-se às vezes longos cantos épicos de numerosas estrofes, como no
Parixerá."
Koch-Grünberg ressalva que as danças e os cantos de dança
desses índios estavam estreitamente vinculadas com os mitos e as lendas. A
chave para o entendimento dos textos das danças poderia ser encontrada nas
lendas. Assim, o Parixerá se fundamentava num longo mito, no qual importante
papel cabe a utensílios mágicos de caça e pesca, que um feiticeiro-médico
recebera de animais e que, por fim, os perdera de novo para os animais, por
culpa de parentes maus. O Parixerá seria por assim dizer a representação
géstica dessa lenda; além do mais, o Parixerá eria a dança dos porcos e de
todos os quadrúpedes. O Tukúi ou Tukíschi seria a dança de todos os pássaros e
todos os peixes. A longa fila de dansantes, que entram na aldeia sob o rusnido
surdo dos tubos de madeira representaria um bando de porcos-selvagens.
Originalmente, segundo Koch-Grünberg, todas essas danças seriam instrumentos de
magia a fim de se ter sucesso na caça e na pesca.
Com o registro de tal simbologia, Koch-Grünberg prestou um
inestimável serviço para o estudo e interpretação das correspondentes danças. O
curioso, porém, é que o pesquisador não percebeu as similaridades dessa
linguagem de imagens com aquela do catolicismo popular. Também na simbologia da
mística franciscana/antoniana, por exemplo, os animais, as aves e os peixes
desempenham importante papel. Os animais, em especial os porco, como
representação do homem carnal, ligado à matéria e à terra; os peixes, como
símbolo da alma ativa daqueles que têm "corpo fechado", ou seja, que
cerraram as portas dos sentidos e levam essa vida em contínua atividade, as
aves como a alma daqueles que ascendem às alturas. Haveria aqui apenas uma
coincidência de concepções e imagens ou expressões culturais já influenciadas
pelo trabalho missionário franciscano no passado"
A participação ativa de Koch-Grünberg nas festas é
demonstrada pelo fato de dar, de vez em quando, gritos jubilosos "à moda
das quermesses" de seu país natal.
Realizou também gravações do canto Tukúi, se bem que já no
fim da festa, quando os participantes estavam roucos e cansados. Koch-Grünberg
documenta também uma outra significativa tradição dos índios de Roraima, de
importância para os estudos referentes à influência missionária e à modificação
cultural. A seu pedido, os índios apresentaram o "Arärúya" ou
"Alälúya" segundo as suas diversas tradições: primeiramente
Wapischána, depois Taulipáng e, por fim, o Makuxi. Koch-Grünberg salienta que
esse gênero de dança e canto nada mais é do que uma expressão particular do
canto do Aleluia.
Essa dança seria própria dos Taulipáng da montanha, sobretudo
da região do Roroíma e seria uma reminiscência "indigenizada" da
missão inglêsa que tinha atuado no passado entre essas tribos. Os participantes
formavam um círculo fechado. De dois ou de três em três, em pares ou separados
segundo o sexo, procediam de braço dado ou com a mão direita sobre o ombro
esquerdo do parceiro, batendo com o pé direito no chão. Cantavam com texto
indígena ou com texto inglês deturpado diferentes melodias e canções guerreiras
em tempo de marcha rápida, possívelmente cantos religiosos inglêses. Às vezes,
o dansarino-guia dava uma volta e ambas as metades da roda se movimentavam em
confronto, por pouco tempo, uma para a frente, outra para trás, arremessando a
parte superior do corpo para a frente e para trás. No final do canto
permaneciam silenciosos por algum tempo, voltados para o centro do círculo, até
que o guia entoasse um novo canto.
Koch-Grünberg salientou a má impressão que essas melodias lhe
deram em comparação com os cantos "originais" desses índios, tais
como Parixerá, Tukúi, etc. Deve-se observar, porém, que os indígenas já
consideravam esse tipo de dança como parte integrante de sua cultura, e a
descrição de Koch-Grünberg evidencia que a formação da dança e o proceder dos
participantes coincidiam em grande parte com as das demais expressões
coreográfico-musicais. O trabalho dos missionários inglêses do passado
consistira, pelo que tudo indica, na utilização de danças indígenas no contexto
festivo da expressão da alegria e do júbilo, daí a denominação de Aleluia. Essa
hipótese parece ser mais plausível do que a de uma assimilação de cantos de
Aleluia pelos indígenas que, depois de memorizados, tivessem substituído cantos
tradicionais de suas danças. Em todo o caso, o Aleluia parece não ser uma
expressão cultural isolada demonstrativa da interação entre missionários e
indígenas. Ela é apenas a expressão mais evidente, inquestionável, e Koch-Grünberg
parece ter aqui sucumbido à sua procura de originalidade no estabelecer uma
distinção fundamental entre esse gênero manifestadamente de influência
missionária e as demais danças.
Koch-Grünberg cita um instrumento que adquiriu de um grupo
que vivia após a Serra do Banco: um bambu grosso, com penduricalhos de garras
de veado na parte superior, sendo a abertura inferior fechada com uma espécie
de couro de tambor. Era usado na dança Muruá pelo guia, que marcava o compasso
com batidas no chão.
Outros dados a respeito da influência inglêsa oferece a
descrição da música do grupo Taulipáng no Roroíma, na aldeia Kaualiánalemong:
Um dia, o pesquisador acorda, de madrugada, ouvindo o canto que lhe soou como
"Heil dir im Siegerkranz"; era, porém, uma tradução indigenizada de
um hino religioso inglês baseado na melodia de "God save the King".
Entre esses resquícios de trabalho missionário inglês,
Koch-Grünberg constatou mais uma vez o "Arärúya", que nessa aldeia já
tinha substituído quase que inteiramente os antigos cantos e danças. Também
aqui observou um Parixerá, salientando a música surda dos trompetes que
acompanhavam a chegada dos dançarinos, o seu silenciar e o início do canto
rítmico monótono. Também as crianças dançavamm, ornamentadas como os velhos. O
próprio Koch-Grünberg tomou parte na dança, o que voi visto com agrado pelos
índios; também tomou parte, dias depois, no Arärúya, que considerou sem caráter
e lamentável distorção do Parixerá, considerando tudo como muito maçante. A
importância que a música e a dança tiveram nesta viagem de Koch-Grünberg se
manifesta nas anotações feitas na sua próxima visita à região, pouco antes de
sua morte, em 15 de setembro 1924, quando lamentou a dizimação das populações
indígenas pelas epidemias e pela influência de garimpeiros.
Desta viagem, o pesquisador elaborou vocabulários de 23
tribos, textos de cantos medicinais e de magia, lendas e mitos na lingua
original e tradução, observações escritas e visuais sobre os costumes e usos,
além de fonogramas de cantos e filmes de danças. Publicou uma obra em 5 volumes
("Do Roroíma ao Orinoko"), sendo-lhe concedido o título de Professor
pela Universidade Freiburg.
Em 1915, nomeado diretor científico do Museu de Etnologia em
Stuttgart, tornara-se responsável pelo departamento sul-americano. De 1903 a
1905 realizou pesquisas no território do Rio Negro e, de 1911 a 1913, outras
viagens no Norte do Brasil e na Venezuela. Em 1924, foi despedido pela
associação que mantinha o Museu de Stuttgart. O pesquisador americano Hamilton
Rice tinha-o convidado a acompanhá-lo em uma nova viagem às cabeceiras do
Orinoko. Essa expedição deveria ser dividida em duas companhias, partindo uma
do Orinoko e outra pelo Uraricoera em direção à Serra Parima. Ele deveria
dirigir a parte que ia pelo Uraricoera, a outra parte foi liderada por Rice,
sua mulher e uma comissão médica da Universidade de Havard. Partiu no dia 6 de
junho de 1924 de Hamburg; do dia 20 de agosto subiu o Rio Negro e o Rio Branco
até Vista Alegre. Faleceu em Vista Alegre, no Rio Branco, de malária, no dia 8
de outubro de 1924.
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